quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Depois da lei de Gerson, a lei de Zeca Pagodinho


Diz uma história que numa cidade apareceu um circo, e que entre seus artistas havia um palhaço com o poder de divertir, sem medida, todas as pessoas da plateia e o riso era tão bom, tão profundo e natural que se tornou terapêutico. Todos os que padeciam de tristezas agudas ou crônicas eram
indicados pelo médico do lugar para que assistissem ao tal artista que possuía o dom de eliminar angústias.
Um dia porém um morador desconhecido, tomado de profunda depressão, procurou o doutor. O médico então, sem relutar, indicou o circo como o lugar de cura de todos os males daquela natureza, de abrandamento de todas as dores da alma, de iluminação de todos os cantos escuros do nosso jeito
perdido de ser. O homem nada disse, levantou-se, caminhou em direção à porta e quando já estava
saindo, virou-se, olhou o médico nos olhos e sentenciou: "não posso procurar o circo... aí está o meu problema: eu sou o palhaço".
Como professor vejo que, às vezes, sou esse palhaço, alguém que trabalhou para construir os outros e não vê resultado muito claro daquilo que faz. Tenho a impressão que ensino no vazio (e sei que não estou só nesse sentimento) porque depois de formados meus ex-alunos parecem que se acostumam rapidamente com aquele mundo de iniquidades que combatíamos juntos. Parece que quando meus meninos(as) caem no mercado de trabalho a única coisa que importa é quanto cada um vai lucrar, não importando quem vai pagar essa conta e nem se alguém vai ser lesado nesse processo.
Aprenderam rindo, mas não querem passar o riso à frente e nem se comovem com o choro alheio. Digo isso, até em tom de desabafo, porque vejo que cada dia mais meus alunos se gabam de
desonestidades. Os que passam os outros para trás são heróis e os que protestam são otários, idiotas
ou excluídos, é uma total inversão dos valores. Vejo que alguns professores partilham das mesmas
ideias e as defendem em sala de aula e na sala de professores e se vangloriam disso.
Essa ideia vem me assustando cada vez mais, desde que repreendi, numa conversa com alunos, o
comportamento do cantor Zeca Pagodinho, no episódio da guerra das cervejas e quase todos disseram que o cantor estava certo, tontos foram os que confiaram nele. "O importante professor é que o cara embolsou milhões", disse-me um; outro: "daqui a pouco ninguém lembra mais, no Brasil é assim, e ele vai continuar sendo o Zeca, só que um pouco mais rico", todos se entre olharam e riram, só eu, bobo que sou, fiquei sem graça.
O pior é quando a gente se dá conta que no Brasil é assim mesmo, o que vale é a lei de Gérson: "o
importante é levar vantagem em tudo, certo?" (Lei de Gerson...! dá para rir...?).
A pergunta é: É possível, pela lógica, que todo mundo ganhe ? Para alguém ganhar é óbvio que alguém tem de perder. A lógica é guardar o troco a mais recebido no caixa do supermercado; é enrolar a aula fingindo que a matéria está sendo dada; é fingir que a apostila está aberta na matéria dada, mas usá-la como apoio enquanto se joga forca, batalha naval ou jogo da velha; é cortar a fila do cinema ou da entrada do show; é dizer que leu o livro, quando ficou só no resumo ou na conversa com quem leu; é marcar só o gabarito na prova em branco, copiado do vizinho, alegando que fez as contas de cabeça; é comprar na feira uma dúzia de quinze laranjas; é bater num carro
parado e sair rápido antes que alguém perceba; é brigar para baixar o preço mínimo das refeições nos restaurantes universitários, para sobrar mais dinheiro para a cerveja da tarde; é arrancar as páginas ou escrever nos livros das bibliotecas públicas; é arrancar placas de trânsito e colocá-las de enfeite no quarto; é trocar o voto por empregos, pares de sapato ou cestas básicas; é fraudar propaganda política mostrando realizações que nunca foram feitas: a lógica da perpetuação da burrice.
Quando um país perde, todo mundo perde. E não adianta pensar que logo bateremos no fundo do
poço, porque o poço não tem fundo. Parafraseando Schopenhauer: "Não há nada tão desgraçado na vida da gente que ainda não possa ficar pior". Se os desonestos brasileiros voassem, nós nunca veríamos o sol. Felizmente há os descontentes, os lutadores, os sonhadores, os que querem manter o sol aceso, brilhando e no alto.
A luz é e sempre foi a metáfora da inteligência. No entanto, de nada adianta o conhecimento sem o
caráter. Que nas escolas seja tão importante ensinar Literatura, Matemática ou História quanto
decência, senso de coletividade, coleguismo e respeito por si e pelos outros.
Acho que o mundo (e, sobretudo, o Brasil) precisa mais de gente honesta do que de literatos,
historiadores ou matemáticos. Ou o Brasil encontra e defende esses valores e abomina Zecas, Gérsons, Dirceus, Dudas, Rorizes todos os que chamam desonestidades flagrantes, de espertezas técnicas, ou o Brasil passa de país do futuro para país do só furo.
De um Presidente da República espera-se mais do que choro e condecoração a garis honestos,
espera-se honestidade em forma de trabalho e transparência. De professores, espera-se mais que discurso de bons modos, espera-se que mereçam o salário que ganham (pouco ou muito) agindo como quem é honesto.
A honestidade não precisa de propaganda, nem de homenagens, precisa de exemplos. Quem plantar
joio, jamais colherá trigo. Quando reflexões assim são feitas cada um de nós se sente o palhaço perdido no palco das ilusões. A gente se sente vendendo o que não pode viver, não porque não mereça, mas porque não há ambiente para isso. Quando seria de se esperar uma vaia coletiva pelo tombo, pelo golpe dado na decência, na coerência, na credibilidade, no senso de respeito, vemos a população em coro delirante gritando "bis" e, como todos sabemos, um bis não se despreza. Então, uma pirueta, duas piruetas, bravo ! bravo !
E vamos todos rindo e afinando o coro do "se eu livrar a minha cara o resto que se dane".
Enquanto isso o Brasil de irmã Dulce, de Manuel Bandeira, do Betinho, de Clarice Lispector, de
Chiquinha Gonzaga e de muitos outros heróis anônimos que diminuíram a dor desse país com a sua
obra, levanta-se, caminha em silêncio até a porta, vira-se e diz:
- "Esse é o problema... eu sou o palhaço".
É NA INFÂNCIA, EM CASA E NAS SALAS DE AULA QUE SE COMEÇA A FORJAR O
CARÁTER DE UM HOMEM, MAS É NO MOMENTO EM QUE CONVIVEMOS COM SUAS DECISÕES QUE PODEMOS AVALIAR SE ESTAMOS DIANTE DE UM NOBRE OU DE UM "POBRE HOMEM SEM VALORES". P
or Prof. Nailor Marques Junior.


LD

Um comentário:

  1. Essas reflexões são de emocionar!! Parabéns!! Os valores andam tão invertidos, que, ao serem bem tratadas, principalmente em locais públicos, as pessoas não acreditam, agradecem imensamente por terem tido uma explicação atenciosa, um sorriso, um "bom dia", um "obrigado", quando, na verdade essa deveria ser a regra, e o espanto deveria vir com os "maus tratos" do dia-a-dia. Mas, quando somos bem tratados, aí sim ficamos espantados, pois a falta de educação impera nas relações, e, a partir daí, o "jeitinho", e essas leis que são aprovadas "quase" por unanimidade pela própria sociedade: leis de gerson, de zeca, de mensalão...não precisam de aprovoção no Congresso Nacional. As pessoas aplaudem quem tem dinheiro, poder, não importando se o poder foi alcançado com dinheiro desviado de merenda de criança. A educação começa em casa, e nas pequenas coisas. Não furar fila é a clássica, não dar "carteirada", propina pra não ser multado, etc...Por outro lado, é do lodo que nascem as mais belas flores. É da revolta com tais situações, que podemos encontrar ideias, reflexões tão intensas e profundas, que mexem com a sensibilidade e o brio, fazendo-nos repensar todas as ações do cotidiano. Obrigada

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