segunda-feira, março 25, 2013

Graças à vida


Pense em alguma coisa para agradecer. Algo que lhe fez um bem sem tamanho, mesmo após uma situação difícil. Pense, não para dizer “te devo essa!”, mas para reconhecer que ganhou algo gratuitamente, sem mais nem menos. Um bem capaz de te deixar grato porque você o ganhou inesperadamente, mesmo sem merecer.

Bondade, generosidade, dádiva e a beleza de dar e receber de graça. Todos os derivados do latim gratia e gratus, de onde vem a palavra gratidão, estão relacionados a termos assim.


É que, para que a gratidão aconteça, é preciso, além de acreditar que o bem existe e é possível, reconhecer que ela vem de outra pessoa. Somos gratos não ao gesto, mas a alguém. E essa força de agradecimento é tão poderosa que é uma das responsáveis por tornar a sociedade onde vivemos um ambiente estável. É por causa da gratidão que as pessoas se relacionam não apenas com o objetivo se dar bem, mas procurando ser amáveis e benevolentes com quem está ao seu lado. Se um grupo de pessoas age de forma generosa, isso ocorre, provavelmente, porque entre elas existem fortes laços de gratidão.

“Ela é importante para uma sociedade fundada não apenas em trocas utilitárias, que visam a lucro ou a benefício pessoal, mas na boa vontade”, explica a psicóloga Lia Freitas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Há séculos, a gratidão é vista como a memória moral da humanidade, que faz com que o vínculo entre as pessoas permaneça forte mesmo tempos depois de o ato de dar ou receber ter acontecido. “É o que mantém unidos os elementos da sociedade em uma vida estável e comum”, escreveu o sociólogo alemão Georg Simmel, no século 19. A gratidão não apenas torna melhor a vida em comum – é necessária para que ela exista.

Dou graças

Durante muito tempo, a gratidão foi vista como um ato direcionado a Deus ou a figuras religiosas. No entanto, ela foi se modificando, mesclando-se às relações de negócio e perdendo seu significado. O Céu, por exemplo, que seria o lugar ao qual todos os homens estariam destinados, transformou-se em uma recompensa. Em vez de reconhecer a dádiva celeste e fazer boas ações por gratidão a esse bem, a relação dos homens com o paraíso celestial tornou-se de débito e crédito: faz-se o bem só para não ir para o inferno. O exemplo religioso migrou para as relações entre pessoas, e, para algumas, a sensação de que ficam em dívida amedronta. Em vez de reconhecer que algo de bom nos aconteceu, preferimos negar a graça recebida – para não correr o risco de ter de agradecer à altura.


A gratidão, entretanto, é livre das relações de perdas e ganhos. Seu sentido original é o de reconhecer as coisas boas que acontecem, mesmo quando não pedimos. E quem diz obrigado à vida como se ela fosse uma série de episódios transformadores comprova que a gratidão não é proporcional ao ato que a gerou. Quanto mais inesperada ela for, maior a tendência de dizermos obrigado. “O grau de gratidão é influenciado pelos motivos por trás da dádiva”, afirma o psicólogo americano Robert Emmons, autor do livro Agradeça e Seja Feliz! e um dos grandes especialistas no tema. Ou seja, agradecemos quando percebemos que existiu um esforço da pessoa que nos fez algo – mesmo que, para ela, tenha custado muito pouco. “Para ser grato, o receptor precisa saber que o doador perdeu algo, deixou passar uma oportunidade, separou-se de coisa de valor ou, no mínimo, realmente, se esforçou”, diz.

Essa atitude de dar e receber já está presente na vida de animais que vivem em grupo, como peixes ou aves. No entanto, só os seres humanos transformaram o instinto em gratidão. “Ao longo da evolução, tornamos esse processo mais complexo”, afirma Maria Adélia Pieta, psicóloga e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Ele vai além das trocas recíprocas, porque não se trata meramente de dar algo em retorno. A gratidão envolve sentimentos mais elaborados, como contentamento, felicidade, orgulho e esperança”, diz.

E quem experimenta a emoção de reconhecer no outro um motivo para dizer obrigado é mais otimista, bem-humorado e saudável. Em um estudo feito por Emmons com pessoas que escreveram diários para agradecer o bem que tinham recebido, o psicólogo percebeu que as pessoas gratas são 25% mais felizes, dormem meia hora a mais por noite e fazem 33% mais exercícios do que as que não praticam o sentimento. Também há um aumento nos níveis de vivacidade, entusiasmo, determinação, atenção e energia. A gratidão nos ajuda a lidar com o estresse e promove a recuperação mais rápida após doenças ou traumas. Ser grato leva ainda a sentimentos de união e altruísmo e promove relacionamentos melhores.

Não custa nada

Entretanto, para que tudo isso aconteça é preciso agradecer verbalmente. “É importante sentir e demonstrar gratidão, porque isso faz diferença nas relações”, afirma Daniela Levy, presidente da Associação de Psicologia Positiva da América Latina (APPAL). Para muitos estudiosos, a incapacidade de retribuir gera uma experiência de gratidão incompleta. “Quando você não se expressa, não consegue conservar relações mais profundas. E o relacionamento é um dos pilares para alcançar a felicidade e o bem-estar”, diz Daniela.

Fonte: Revista Sorria

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