quarta-feira, março 23, 2011

AUTO-RETRATO DE UM PALHAÇO - Leonid Georgievitch Engibarov


Certo dia, quando representava um dos múltiplos intermédios previstos no programa, o diretor me soprou ao ouvido: “Ganhe tempo!”, significava que havia um problema nos bastidores e era preciso entreter o público. Não tinha a minha disposição nem minha bengala, nem meu chapéu, que seriam tão úteis neste caso. Mas notei que o contra-regra havia colocado um microfone sobre um banquinho, destinado ao número seguinte. Ao me aproximar do microfone não tinha nenhuma idéia do que faria. Mas, no momento em que o peguei, logo tive uma ideia e me pus a discursar com paixão... sem dizer uma palavra sequer. De repente percebi que o microfone não estava funcionando. Bati, soprei. E enquanto isso, angustiado, eu me perguntava: “E depois? E depois?” “Ande sobre o fio” me soprou uma súbita inspiração. Lembrando-me do truque dos ilusionistas para desviar a atenção do público por um movimento falso, levantei o microfone como que para aproximá -lo da luz, levando os espectadores a olharem para cima enquanto manipulava discretamente o fio. Daí em diante a ação se desenrolou por si mesma. Com grande surpresa, descobrira a causa do defeito. Retirei o pé e bati de novo no microfone que voltou a funcionar. Adotei uma postura de orador e então o medo me tomou. Abria a boca mas não me saia nenhuma palavra. Assustado, olhei para o diretor que fez um gesto para me animar. Fiz-lhe que tinha medo, movido por um impulso imprevisível, coloquei o microfone sobre o meu coração, como se fosse um estetoscópio. A continuação foi fácil: suavemente, comecei a bater com o dedo no microfone e ressoou por todo o circo o tique-taque precipitado do meu coração. Tive a ideia de testar o coração do diretor. Batia num ritmo totalmente diferente, com longos intervalos, “bam, bam, bam”. A sala caiu na risada. E nesta hora, nos avisaram que nos bastidores tudo estava em ordem. Em seguida, trabalhei e desenvolvi o que nascera do acaso. Tomei cuidado para demonstrar minha inquietação diante do ritmo irregular do coração do diretor que batia cada vez mais lentamente. Fico apavorado e, por fim, ele pára. Angustiadíssimo começo a procurar o coração, passando o microfone em diferentes partes do seu corpo. Em vão... Sacudo sua cabeça, examino seus olhos e choro desesperado. O diretor pede então, sorrindo, que eu procure seu coração à esquerda. Quando o microfone o encontra e começo a escutar as batidas normais, manifesto uma alegria infantil diante da descoberta.
LEONID GEORGIEVITCH ENGIBAROV, (1935-1972), da União Soviética, foi um dos primeiros palhaços-mímicos modernos.

Um comentário: