A empresária Dalva Tabachi, 65, tem quatro filhos. O mais velho,
Ricardo, 32, tem autismo e só começou a falar aos cinco anos. Hoje ele
trabalha com a mãe na confecção da família, no Rio, toca violão e vai ao
cinema com uma amiga. Tudo, segundo Dalva, com muito esforço.
Em 2006, com base em anotações do dia a dia do filho, ela lançou o livro
"Mãe, me ensina a conversar" (Rocco, 96 págs., R$ 20). Agora lança o
segundo livro, "Mãe, eu tenho direito!".
Leia o depoimento dela.
*
Percebemos que o Ricardo tinha algum problema com três anos. Ele não
falava nada, só repetia "bola, bola, bola". Ficava isolado, não brincava
com outras crianças.
Fomos ao pediatra, à psicóloga, à fonoaudióloga. Naquela época, ninguém
sabia o que era autismo. Quando eu perguntava o que meu filho tinha,
diziam: "Ah, esquece isso". Falavam que ele ia ficar bom.
Mas até o Ricardo ter 12 anos foi horrível. Ele era bem comprometido.
Ficava fazendo "hummm" continuamente. Quando ficava nervoso, pulava e se
mordia.
A gente sofria preconceito. Quando ele tinha dez anos, em uma viagem de
avião, um passageiro pediu que o tirassem do voo, porque ele não ficava
quieto, gritava. Com 18 anos, fomos a uma neurologista e perguntei:
"Afinal, o que ele tem?". Autismo.
Nessa época ele já estava bem melhor. Tudo com muito esforço, muito
choro. Corri atrás de tudo. O que ele podia fazer, fez: aula particular,
fonoaudióloga, psicóloga, violão, natação. Não desistimos. Ele tem três
irmãos mais novos que sempre o puxavam para a realidade, não deixavam
que ele se isolasse.
Quem vê o Ricardo hoje não acredita. Ele fala muito. Claro que ainda tem
traços de autismo, o pior deles é a repetição. Ele repete a mesma coisa
dez, 20 vezes.
Conta tudo o que comeu, diz tudo o que fez hoje e no dia anterior, avisa
dez vezes quando vai dormir. Às vezes, fica remoendo coisas de anos
atrás: "Por que fulano puxou a minha orelha um dia?".
Ele não se acerta com números --não entende que duas notas de 20 e
quatro de dez são a mesma coisa-- e não entende muito bem o que é quente
ou frio: usa blusas no calor, liga o ar-condicionado no frio.
ANDAR SOZINHO
Ele nunca fica sozinho. Não tem como. Tenho uma empregada que mora em
casa. Ele espera meu marido e eu até para escovar os dentes, porque
tinha mania de escovar tanto que já estava se machucando. Quando
demoramos para chegar em casa, ele liga: "Onde vocês estão? Preciso
passar fio dental."
A minha maior preocupação é quem vai cuidar do Ricardo no futuro. Já faz
muito tempo que penso nisso. Fiquei muito angustiada quando um dos meus
filhos se casou. Os irmãos dizem que vão cuidar dele, mas sempre penso
que tenho que viver muito. E, para isso, me cuido.
Eu nado no time master do Flamengo, não sou gorda e não como gordura.
Tenho que ficar boa, não posso ficar doente. Sempre que vejo um casal
sozinho com um filho autista penso: quem vai cuidar dessa criança no
futuro?
O Ricardo melhora a cada dia. Ele toca violão direitinho, participa de
competições de natação, vai ao cinema todos os sábados e adora ouvir
música aos domingos.
Tudo o que ele sabe foi ensinado. A fonoaudióloga explicava o que era o teto, o chão, o nome das coisas.
Ele tem uma memória incrível. Se você disser que hoje é seu aniversário,
ele vai lembrar daqui a meses e vai dizer: no ano que vem vai ser numa
quinta-feira, porque neste ano foi na quarta.
Antes ele não entrava nas conversas, hoje já puxa papo. Sempre falando
uma besteira, o que ele comeu no almoço. Eu o repreendo, digo que não é
assim que conversa, e ele pede: "Mãe, me ensina a conversar". Esse foi o
título do meu primeiro livro.
O segundo livro se chama "Mãe, eu tenho direito!", porque mais
recentemente ele aprendeu a dizer não, a reclamar. Eu digo para ele não
comer alguma coisa e ele repete: "Eu tenho direito!".
O que mais dá trabalho hoje é comida. Ele é compulsivo. Na adolescência,
engordou. Colocamos ele de dieta e ele emagreceu 18 quilos.
Hoje, o Ricardo trabalha no escritório comigo, atendendo o telefone. No
começo, quando ligavam perguntando por mim, ele respondia: "Ela está
fazendo xixi."
Ele é supersincero. E não tem muito tato. Quando o avô morreu, saiu
gritando "o vovozinho morreu", como se anunciasse um nascimento.
Depois de adolescente, nunca vi o Ricardo chorar. Isso me preocupa às
vezes, mas depois penso que ele não tem por que ficar triste, tem tudo o
que precisa. Todos gostam dele, ele é muito carismático.
Às vezes fico cansada, principalmente quando ele repete coisas demais.
Mas desanimar, não. Se ele chegou onde chegou foi porque não desistimos.
MÃE, EU TENHO DIREITO! - CONVIVENDO COM O AUTISTA ADULTO
AUTORA Dalva Tabachi
EDITORA Rocco
PREÇO R$ 24,50 (144 págs.)
AUTORA Dalva Tabachi
EDITORA Rocco
PREÇO R$ 24,50 (144 págs.)
Fonte: Folha de S.Paulo
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