segunda-feira, agosto 26, 2013

Que tal começarmos uma conversa?

"Ainda bem que vocês apareceram, realmente quero conversar." Essa foi a abordagem da primeira pessoa que surgiu diante de nós, na avenida Paulista, em São Paulo. Estávamos sentados em degraus da entrada de um prédio. Eu e uma amiga, a designer Alice Vasconcellos, com um cartaz na mão que exibia a seguinte frase: "Que tal começarmos uma conversa?" Nosso objetivo: promover encontros significativos entre estranhos. Queríamos escutar as pessoas, trocar algumas ideias. Num mundo em que se compartilha um montante tão infinito de informação e se fala tanto, decidimos parar um pouco para explorar novos encontros - e refletir.

A ação na Paulista gerou interações inesperadas. O jovem que falou a frase de abertura deste texto, por exemplo, logo contou que estava de emprego novo. Narrou as dificuldades da profissão de publicitário e se lembrou de uma experiência como garçom em Londres. Um morador de rua veio contar um pouco da sua história, inclusive como perdeu uma das pernas. Curiosamente, duas pessoas diferentes, em momentos distintos, disseram que não iam parar, senão passariam a tarde inteira batendo papo. Sem contar o número de pessoas que diminuíam o passo quando nos viam, denunciando a vontade de fazer uma pausa, de partilhar um pouco de si com a gente. Porque compartilhar é essencialmente um ato generoso, de comunhão. No entanto, seja numa conversa, seja numa postagem do Facebook, nem sempre é dada a devida atenção àquilo que está sendo dividido com o mundo.

O senhor foi rápido
Nossa ideia foi inspirada na ação da artista Ana Teixeira. Ela passou por calçadas de nove países, nas quais se postava sentada numa cadeira (e com outra, vazia, à sua frente), enquanto tricotava ao lado de uma placa com os dizeres: "Escuto histórias de amor". "Acredito que andamos pelo espaço público - e às vezes também pelo privado - anestesiados, e por isso deixamos de ver. Há ofertas demais, tanto visuais quanto táteis e sensíveis. Não vemos mais, pois há muito para ver. Gosto da ideia de criar pequenos curtos-circuitos na realidade. Para provocar o olhar, para provocar a ver", conta a artista. 


Com sua ação, Ana tenta ressaltar certos aspectos do ato de compartilhar, como o fato de que escolhemos os conteúdos divididos com os outros. O escritor francês Marcel Proust, por exemplo, colocava para fora as profundidades das suas experiências. Ele chegava a implicar com as pessoas que abriam a boca para compartilhar histórias simplificadas. Numa festa, em 1919, Proust foi apresentado a Harold Nicolson, um jovem diplomata. O escritor perguntou para Nicolson como eram os encontros da delegação britânica em Paris. Ele respondeu: "Bem, geralmente nos reunimos às 10h, há secretários...".

Foi aí que Proust interrompeu o jovem. "Mas não, não, o senhor foi rápido demais. Recomece. O senhor pegou o carro da delegação. O senhor desceu no Quai d’Orsay [nome de um cais na margem do rio Sena]. O senhor subiu as escadas. Entrou na sala. E depois? Seja mais preciso, meu caro, mais preciso", disse o escritor. O jovem começou a contar sobre os apertos de mão, o farfalhar dos papéis e até os macarons que adoçavam a formalidade das reuniões. A história ganhou sons e sabores. A narrativa emergiu com sensações. Antes, simplificada, nem esboçava as dimensões dos acontecimentos. Ao simplificarmos a marca que as pessoas e situações deixam em nós, enfraquecemos a intensidade das experiências e arrancamos o relevo das coisas - o que são clichês senão articulações resumidas de pensamentos e sentimentos repletos de nuances? Um pôr do sol na praia é apenas "bonito"?

"Nossa maneira de falar está, em alguma instância, ligada a nosso modo de sentir, e a maneira como descrevemos o mundo deve, em algum nível, refletir o modo como vivemos", conta o filósofo Alain de Botton no livro Como Proust Pode Mudar sua Vida. Fugir dos clichês é redescobrir a si mesmo. E, claro, tais dilemas também têm espaço no mundo virtual, onde o ato de compartilhar chega a se sobrepor ao próprio conteúdo compartilhado.

Conversas com conteúdo

Dias atrás, enquanto escrevia um post em meu blog, veio um sentimento aflitivo: antes de terminar o texto, queria divulgar o link nas redes sociais. Era a vontade de partilhar um conteúdo antes de terminar de criá-lo, como se o compartilhamento fosse mais importante que aquilo a ser expresso para as pessoas. "Usamos a tecnologia para definir a nós mesmos com os pensamentos e sentimentos que compartilhamos exatamente na hora em que os vivenciamos. Costumávamos pensar: ‘Sinto alguma 
coisa; quero ligar para alguém’. Agora, nosso impulso é ‘Quero sentir alguma coisa; preciso enviar um texto’", explica Sherry Turkle, psicóloga e pesquisadora do MIT, em artigo publicado no The New York Times. Enquanto escrevia a postagem do meu blog, mais que compartilhar uma experiência que merecia ser espalhada, eu queria sentir a repercussão do conteúdo. Como diz Sherry, é o "compartilho, logo existo".

A questão por trás de tudo isso: como fazer com que nosso ato de compartilhar, tanto presencial quanto virtualmente, seja significativo para nós e para os outros? Durante a intervenção "Que tal começarmos uma conversa?", uma professora de inglês se aproximou para indicar um deslize: faltava a cedilha do segundo "c" ("começarmos"). O detalhe iniciou uma conversa de uns 30 minutos. Entre outras coisas, a professora insinuou que precisávamos de um psicólogo. Em seu diagnóstico informal, eu e minha amiga queríamos alguém para nos escutar, por isso a estratégia inconsciente de ficar com uma placa na calçada à procura do "compartilhar". Embora não concorde com parte do raciocínio da professora - meu caso e o da Alice não são exatamente do tipo que demanda psicólogos, acho eu -, ela não está errada quando aponta uma relação próxima entre a escuta e o ato de compartilhar. Para dividirmos com o mundo histórias e informações que carreguem menos clichês e mais gradações de significado, é importante exercitarmos uma escuta afinada. Já dizia o educador Paulo Freire: "Escutar é algo que vai além da possibilidade auditiva de cada um". Escutar é imergir na experiência do presente, do que acontece agora, dentro e fora de nós. Como a maneira de nos expressarmos está ligada ao modo de sentir, à medida que exploramos as potencialidades da percepção, transformamos o que dizemos. Se os compartilhamentos viram uma troca genuína, viva, mediada pela escuta, nasce o diálogo, dá-se espaço para a generosidade.

E aí, quando menos esperar, vai surgir alguém na sua frente e você vai falar: "Ainda bem que você apareceu, realmente quero conversar".

Autor: André Gravatá
Fonte: Vida Simples

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